Orelha: Quando Deus mandou a chuva que molhou a terra, de Dayanne Carvalho


Na prática jornalística de Dayanne Carvalho, a intimidade é uma chave de leitura não só das reportagens, mas também das relações entre repórter e fontes. Um modo de orientação, sem o qual o livro não existiria como, agora, existe.


A intimidade, porém, é ambígua. Para cumprir premissas do trabalho jornalístico, a autora precisa estar com um pé no lado de dentro e um pé no lado de fora da casa das personagens, digamos. Aí assume uma posição dupla. Ela se torna amiga das fontes, ao mesmo tempo que continua anônima, e isso não se converte num complô. Desse modo, ela produz uma convivência que, em Quando Deus mandou a chuva que molhou a terra, tem interesse em rememorar a vida das personagens — aqui, as personagens da Colônia Treze, cujas trajetórias estão ligadas à formação e ao fortalecimento de vínculos comunitários. 


Rememorar, é preciso dizer, não é recorrer a uma imagem fixa do passado, nem distorcê-lo a favor de um verniz do presente. Mas, sim, efetivar o funcionamento da engrenagem que é a memória. Lembrar que ela é uma operação, graças à qual se reconstrói a história de uma personagem do livro, inclusive — o padre Almeida. Ele é uma elaboração das memórias de outra personagem, a Josefa do Carmo, a Carminha, que oferece à repórter um ponto de vista sobre o homem. Logo, padre Almeida, a personagem, é uma soma da fala com a escuta.


Por sinal, a escuta é um instrumento incontornável para o trabalho de Dayanne Carvalho. É que, no contato com os moradores da Colônia Treze, uma maneira de demonstrar cuidado é ouvi-los — eis uma obviedade, é claro, mas, aqui, uma obviedade que precisa de reforço: sem pôr os ouvidos à disposição das fontes, ela não pode identificar os detalhes, os cruzamentos e as lacunas que surgem na fala de quem constrói um retrato da comunidade e da vida. Assim, a repórter leva adiante aquela posição dupla, que exige, de encontro em encontro, aproximação e distância.


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Quando Deus mandou a chuva que molhou a terra

Dayanne Carvalho

18 x 12 cm — 80 pp

2024

ISBN: 978-85-8253-426-7

Capa de Quando Deus mandou a chuva que molhou a terra, de Dayanne Carvalho